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VOO DE ÁGUIA, REALIDADE DE FALCÃO

Por Rafael Pena


Jogo futebol de botão desde os meus seis anos. Iniciei no leva-leva assim como a quase totalidade dos botonistas, com pastilhas de “war” e botões dos mais variados tipos, formas, diâmetros e cores.


Fui conhecer o “futebol de mesa” federado no final do ano de 2008, quando recebi o convite do amigo Flávio Scarpelli para conhecer o Liberdade Futebol de Mesa.


Chegando na sede do Liberdade conheci o futebol de mesa da modalidade 3 toques. Eu nem sabia que existia futebol de mesa com regras próprias e fiquei maravilhado. Vi botões maiores que os galalites que tinha, com artes embutidas, bolinha de feltro e aquilo tudo veio como uma porrada de dopamina na minha cabeça, e um calor no peito próximo ao coração.


O Liberdade é (era) um clube essencialmente de prática de 3 toques, é um dos principais clubes da modalidade e com grandes campeões em sua galeria. Tudo da modalidade 3 toques.


O mascote do Liberdade é águia. A águia “Mullet” foi batizada pelo Pepê – amigo e excelente botonista que nos deixou prematuramente – e o centro de treinamento e de jogos do Liberdade é chamada por outros botonistas e clubes de “Ninho da Águia”.


Para uma pessoa que até então só conhecia o “leva-leva” dos campos do Estrelão, a chegada ao novo mundo, como Colombo, foi uma coisa surreal e achava que aquilo ali seria o máximo de descobrimento que seria possível. De tanto falar que isso e aquilo do Estrelão podia isso, podia aquilo, me batizaram de Estrelão (mas isso já é outra história).


Com pouco tempo, mas ainda de forma bem distante, descobri que haviam outros mundos, ocupados por outros povos, com outras regras e particularidades. Mas esses novos mundos eram apenas por “ouvir dizer” pois em Belo Horizonte, até então, o mundo da 3 toques era o único mundo habitável e visível, tanto na nossa sede quanto na sede do Grêmio Mineiro, outro clube da cidade (que até então ocupava as dependências do Mineirinho).


Sempre que havia campeonatos de 3 toques em Belo Horizonte – a maioria deles no Mineirinho – e quando reuniam outros botonistas de outras cidades, percebia alguns deles comentando sobre as modalidades 1 toque e 12 toques. Como nunca tinha visto uma mesa de 12 toques eu tinha que “confiar” no que falavam para mim, sendo essas informações verídicas ou não.


Muito do que eu ouvia era que a modalidade 12 toques era apenas trocação de chute a gol e muito do que eu percebia era que havia uma espécie de ranço entre os botonistas mais antigos da 3 toques em relação aos mais antigos da 12 toques, o que pude perceber anos depois. Eu só ouvia.


Até 2021, praticamente, meu mundo era só de prática de 3 toques, voando apenas nos arredores dessa modalidade, como águia que me forjaram nas mesas, que ia, caçava e voltava para o ninho.


A partir de 2021, parei de ouvir e fui ver como era realmente um torneio de 12 toques.


Assim como o ocorrido com o maior jogador da história do futsal, Falcão, pude provar o melhor dos dois mundos e tirar um monte de coisas para mim.


Como quase todo mundo sabe, o Falcão foi um dos melhores jogadores do mundo no futsal ou futebol de salão (assim como dizemos futmesa quando poderíamos também dizer futebol de botão). Ganhou inúmeros prêmios individuais, por equipes e também pela seleção brasileira.


No ano de 2005, recebendo um convite do São Paulo F.C., Falcão trocou as quadras pelo campo gramado.


A princípio todo mundo esperava que, pelo fato de ser um craque da bola nas quadras, Falcão teria o mesmo brilho no campo simplesmente pelo fato de ser habilidoso e grande artista da bola (de futebol de salão).


No começo, Falcão não conseguiu se encaixar no campo gramado, que era pelo menos umas quatro vezes maior que uma quadra. A adaptação com a nova bola, maior e mais leve, não foi a mesma. A noção de espaço era diferente. No gramado, ele não teria a bola no pé assim como ocorria o tempo todo quando ocupava a quadra. No São Paulo F. C., o então técnico Leão, famoso por ser linha dura, tratava-o como mais um e não como a estrela máxima, como ocorria na quadra.


Passados alguns meses de muita provação e negativa, Falcão abandona o sonho de também ser protagonista no campo tal como era no futsal e abandona a carreira de jogador de campo. Tempos depois voltou a jogar futebol de salão, voltado a ser protagonista até o encerramento de sua carreira como um dos melhores do mundo.


Teria faltado ao Falcão mais tempo? Mais resiliência? Mais treinamento próprio para o campo? Foi soberba dele achar que pelo simples fato de ser um bambambam do seu esporte ele seria em outro parecido? Vai saber (ou não, talvez nunca saibamos) ...


Para quem está lendo esse texto deve estar se perguntando “porquê diabos esse autor coloca um resumo do Falcão no meio de um texto de futebol de mesa?”.

Efetivamente, muito embora falemos de futebol de mesa e haja muita similitude, como bolas esféricas, objetivar gol, ter áreas e marcações oriundas do futebol de campo, há que se ter em tela que as modalidades 3 toques e 12 toques são esporte totalmente diferentes, a começar pelo número de toques, tempo de jogo, a participação de árbitros, e findando no tamanho das mesas e goleiros.


Pelo fato de serem práticas de futebol de mesa, a prática, o treinamento e o dia a dia de cada regra é bastante diferente.


Nesse pouco tempo que tenho de vivência concomitante com as duas regras percebi muita coisa e, após disputar o meu primeiro Campeonato Brasileiro Individual da Modalidade 12 toques, no Rio de Janeiro (disputei todos os Campeonatos Brasileiros Individuais da Modalidade 3 toques de 2009 até 2022), percebi um monte de coisa que fará entender o porquê do aparte em relação ao Falcão.


De cara, digo para vocês que para uma pessoa voar alto em cada uma das modalidades é preciso muito treino e dedicação. O fato de você treinar constantemente numa regra não é certeza de que irá igualmente bem na outra se não treinar bem também nessa outra regra.


Vi grandes campeões e baluartes de uma regra, quando vão jogar na outra modalidade, levantarem o nariz e chegarem achando que vão passar o carro e, no final, acabam sendo atropelados. Sem se dedicar, o voo de águia acaba sendo voo de galinha. E para terminar a saga avícola, se não quiser ser considerado um pato (que nem nada bem e nem voa bem), é preciso antes de tudo respeitar a lógica de cada jogo.


Na maioria das vezes, quando os baluartes de uma regra desmerecem a outra regra,vejo que isso se dá porque eventual insucesso desses quando atuantes na outra modalidade ocorre pela falta de prática e pela não aceitação de resultados negativos. Esses hão de ocorrer, por óbvio, quando se chega num novo lugar e sem qualquer preparação. O preconceito geralmente ocorre pela falta de convívio, conhecimento e empatia.


Sempre que vejo pessoas que praticam mais de uma modalidade acharem que podem carregar a “sua mão” de uma modalidade para outra e ter o mesmo sucesso, é receita certa para uma decepção. Achar que é só virar a chavinha e está tudo certo é certeza de decepcionar nos resultados de um lado para o outro.


Por outro lado, vi e vejo caras conseguirem terem atuação de destaque nas duas modalidades, certamente por treinarem demais nas duas regras (exemplo disso são, por exemplo, Nando e Evandro, ambos atletas do Vasco da Gama, que são craques nas duas modalidades). Mas isso, infelizmente, não é o padrão. Não é o padrão mais porque o pessoal não entende que são esportes diferentes e que sem dedicação e treino, nas duas modalidades, nada vem de graça.


Em todo o esporte, aqueles que se dedicam, focam, treinam e se aperfeiçoam naquilo tendem a ter resultados melhores do que aqueles que acham que as conquistas vêm, unicamente, de “poderes inatos”. Podem até existir pessoas que tenham “dons” de nascença em tudo e até no esporte, mas, esse texto não é direcionado a esses que representam 0,0000000000000001% dos mortais desse planeta.


Voltando ao Falcão, uma sugestão que talvez possa servir para as pessoas que assim como eu tentam se aventurar nos dois fantásticos mundos (da 3 toques e da 12 toques) é que você tem a possibilidade de se divertir em qualquer um deles. Cada diversão à sua forma, jeito e prática. Tal como xadrez e dama, que são disputados no mesmo tabuleiro, a leitura de jogo, percepção e prática são diferentes. A forma de se divertir também. Independente do tabuleiro, dá para se divertir e ser competitivo nos dois cenários.


Os “Falcões” existem em todo os cantos. Para que possam voar de forma plena, tem que dedicar e treinar de forma diferente e específica para cada terreno de jogo.


De um modo ou de outro, quando as águias ficam velhas, quando as penas não têm o mesmo vigor e brilho, quando os bicos estão craquelados e sem força, as mesmas se isolam das outras num plano superior. Retiram todas as penas com o que resta de bico, após, quebram os bicos, ficam praticamente desnudas de tudo. Ato sucessivo, com o tempo, surgem novas penas, mais fortes e brilhantes. O bico cresce mais forte e após esse período de reclusão e reflexão, ela volta mais forte.


Quando crescemos num meio aonde não conhecemos todos os mundos, tendemos a supervalorizar o nosso mundo e depreciar o mundo dos outros só para que justifiquemos que o nosso mundo é melhor.


A partir do momento que passamos a conhecer outros mundos não precisamos diminuir um para enaltecer o outro. Podemos e devemos conviver com ambos. A predileção de um em detrimento do outro não torna o outro nem melhor e nem pior. Nem os dedos da mão são iguais e não há dedo melhor e nem pior que o outro.


Essa águia aqui dos berços/mesas do Liberdade, que saiu do ninho para conhecer outros mundos, viu que a visão de Falcão não pode prevalecer na prática do futebol de mesa nesses dois mundos. Vi e percebi, mais uma vez, que para não ser tratado como pato (que, como disse, nem nada e nem voa bem) há que se respeitar cada uma das regras, treinar de forma específica para cada uma delas e estar sempre propenso a refletir em como fazer para ser uma pessoa que pratique cada uma das regras sem que isso imponha a necessidade de uma sobrepor a outra.


Nesse mundo de aves das mais diversas, botões de várias dimensões e formas, toques pares ou ímpares, saber aceitar e conviver com as diferenças é o primeiro passo para conseguir atingir aquilo com que cada esporte nos propõe: fazer bem para a mente e para a alma.


Começo falando de águia, passo por Falcão, pato e galinha e termino falando de beija-flor para pedir que cada um voe para flor cujo cheiro e néctar que melhor te apetecer, para tirar dela o que ela tem de melhor. Se você gostar mais de uma flor, bom para ti. Se não, curta a sua e não se importe com a do outro. Seja feliz do modo que quiser.


Eu, do lado de cá, sempre que puder vou voar para onde tiver um amigo me chamando para uma partida. Seja de 3 ou seja de 12. Apaixonei pelas duas regras. Se é pecado ou não, só Deus para me julgar.



Rafael Pena é o presidente do Liberdade Futebol de Mesa e botonista praticante das modalidades 3 Toques e 12 Toques. Seu canal do YouTube apresenta vários vídeos de jogos completos, gols e informações sobre o futebol de mesa. É o criador da série de vídeos Botonistas do Brasil, na qual cada vídeo homenageia um botonista diferente, mostrando alguns de seus gols. Não deixe de acessar o canal e se inscrever!

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